Aposentadoria na era da longevidade: presente ou maldição?

11/04/2017 - 08:48

Ultimamente, só se fala em previdência, mas essa fala tem um olhar muito mais coletivo da reforma da previdência do que individual. Quando tento conversar com as pessoas sobre o que elas estão fazendo, “na física”, para encarar esse momento em suas vidas, tenho dois sentimentos: o primeiro é que o momento inicial da conversa é mais fácil, já que o tema está tão em voga. O segundo é que, mesmo com uma abertura inicial para falar de aposentadoria, as pessoas continuam a entrar em estágio de “negação”, seja por acreditarem que o que estão fazendo é suficiente, seja porque continua a ser um “papo chato”, seja por pensarem “não consigo nem sobreviver ao hoje, quem dirá lá na frente”, enfim, por diversas razoes, não querem falar do assunto.

No Brasil, em 2060 seremos mais de 5 milhões de nonagenários e mais de 500 mil centenários.

Estando a frente de um grande fundo de pensão, tenho esse tema endereçado por equipes dedicadas e com estratégias de Educação muito bem definidas, mas como tratar desse tema fora do meu papel no fundo de pensão? Como tratá-lo pela Maria? Comecei por minha família, fazendo sessões de pizza, power point e muita conversa. Foi ótimo, e muitos mudaram sua perspectiva com relação ao tema, o que me deixou aliviada. Ando escrevendo artigos também, mas isso não basta, pois, se trabalho extremamente feliz por esta bela causa que é a de fazer com que as pessoas se aposentem da forma mais digna possível, confesso que ando angustiada também com o descaso das pessoas com seu próprio futuro. Sim, pois falar disso agora pode ser uma benção em nossas vidas, tal qual não falarmos disso agora pode ser uma maldição lá na frente.

Por todos os lados, somos inundados por estatísticas que mostram que a longevidade é uma realidade. No Brasil, em 2060 seremos mais de 5 milhões de nonagenários e mais de 500 mil centenários (*1). Desde 1840 a expectativa de vida tem crescido 2 ou 3 anos a cada década. Uma criança nascida em 2007, em países desenvolvidos, tem 50% de chance de viver até os 104 anos, as nascidas em 1997 alcançarão 101 ou 102 anos e assim por diante (*2). Porque longevidade importa? Fazendo uma conta bem simples, antes trabalhávamos 30/35 anos e nos aposentávamos por um período de 15/20 anos em média. Com a longevidade, esse período que hoje chamamos de aposentadoria pode chegar a 35/40 anos, ou até mais. A resposta do porquê longevidade importa, infelizmente, também é muito simples: a conta não fecha! Quais as alternativas? Trabalhar mais, poupar mais, se arriscar mais ou se contentar com uma aposentadoria bem menor do que se esperava.

“Me interessa o futuro porque é o lugar onde vou passar o resto da minha vida”, Woody Allen. 

O que mais me angustia é que, fazer com que esse período seja um presente, não é utópico como alguns podem pensar. Ao contrário, pode ser até bem simples se as pessoas acordarem e tiverem disciplina. O primeiro passo é reconhecer que o tema existe, pois, como diria Woody Allen, “Me interessa o futuro porque é o lugar onde vou passar o resto da minha vida”. O segundo passo é trata-lo com naturalidade, como um assunto do nosso dia a dia, respondendo perguntas como “Quanto vou custar na aposentadoria?”, “Quanto preciso poupar?”, “De que forma vou poupar ?”, “O que posso fazer para gerar renda aposentado(a)? ” Uma vez endereçadas essas perguntas, vem a parte mais importante: disciplina e foco. Monte seu plano de ação e não se desvirtue do mesmo. Se for para mudar, que seja para torná-lo ainda mais robusto. Quando o assunto é previdência, mais do que os valores envolvidos inicialmente, o principal é começar e ter disciplina. A migração para valores e ações mais precisas vem com o tempo.

Sim, aposentadoria em tempos de longevidade pode ser um presente em nossas vidas se dermos a prioridade correta e construirmos, o quanto antes, o nosso projeto de futuro. Uma postura proativa agora tornará nossas aposentadorias um momento de paz, descanso e recompensas merecidas, como toda aposentadoria deveria ser. Depende exclusivamente de nós.

(*1) Fonte: o economista Paulo Tafner

(*2) Fonte: Human Mortality Database, University of California, Berkeley (USA) and Max Planck Institute for Demographic Research (Germany). Available at www.mortality.org

Por Maria Gurgel, diretora-superintendente da Valia​